Há algum tempo, venho querendo escrever sobre o álbum debut da
Ida Maria, mas, infelizmente, vivo numa preguiça crônica que me impede
até mesmo de assistir uma série na "Netflix". Porém, algo inesperado
inspirou-me a escrever sobre ele nessa coluna do blog intitulada
"Redescobrindo Temperos".
Ontem (15/03/2017), no finalzinho da tarde, recebo uma mensagem da Ida no meu twitter que dizia o seguinte: Oh sweetheart I know what you are going through. It's always darkest before dawn. Hang in there. Lots of love to you
(Oh querido eu sei o que você está sentindo agora. O céu é sempre mais
escuro antes do amanhecer. Aguente firme. Muito amor pra você). Eu
havia, semanas atrás, enviado uma mensagem a ela contando o quanto ela
me inspirava a superar meus problemas psicológicos, pois, para quem não
sabe, Ida passou por um amargo momento de depressão após o seu segundo
álbum, intitulado "Katla" (2010). Sendo assim, eu escrevo essa coluna
com todo o meu amor para Ida Maria, falando sobre um de seus álbuns que
mais me marcaram e, com certeza, se encaixa perfeitamente no que ela
passou e no que eu estou passando.
Ida
Maria é uma cantora de indie-rock norueguesa, ganhando destaque em seu
país em 2007, após vencer dois concursos que davam visibilidade à
artistas desconhecidos. Em seguida, participou de uma série de
festivais, premiações e entrevistas em revistas e jornais renomados,
como o "The Times". Porém, seu nome tornou-se mundialmente conhecido
graças ao catálogo de canções que compõem "Fortres 'round My Heart", seu álbum debut.
O
disco de estreia de Ida foi lançado em 2008, mas antes mesmo de chegar
as lojas, a cantora lançou seis singles: "Oh My God", "Drive Away My
Heart", "Stella", "Queen of The World" e "I Like You So Much Better When
You're Naked". No Estados Unidos, o álbum tivera uma boa repercussão no
cenário Alternativo graças ao acordo assinado pela gravadora norueguesa
Waterfall com a SonyBMG, responsável pela divulgação e distribuição do
primeiro registro de Ida nas terras norte-americanas. Assim, o trabalho
de estreia da norueguesa teve três edições. A primeira sendo a versão
original, lançada na Noruega, uma versão Deluxo lançada em 2009,
contendo novas canções, e uma versão exclusiva para os Estados Unidos,
lançada pela Mercury Records.
No charts, Ida teve seu maior peak na
Noruega, alcançado a posição #5 e permanecendo por mais de sete semanas
no top 20. No Reino Unido, um dos principais mercados fonográficos do
mundo, ela teve um desempenho bom para um artista fora do mercado meanstream, tendo seu maior peak na
posição #39. Na Irlanda estreou em #38. Além disso, seu álbum foi
classificado como o quadragésimo oitavo melhor álbum do ano de 2008 pela
revista NME.
Saindo desse pequeno sumário narrativo a respeito das questões mercadológicas e da repercussão do primeiro álbum da Ida, vamos prosseguir para uma breve análise musical das dez canções do registro debut da norueguesa.
Há quem diga que "Fortres 'round My Heart" é uma versão feminina e mais pop do clássico "Is This It", álbum de estreia da banda norte-americana The Strokes. É inegável a semelhança das sonoridades entre ambos os álbuns, afinal, os The Strokes foram o precursores do gênero indie, mesmo gênero seguido por Ida. "Queen of The World", sétima faixa do disco da cantora, e "Soma", terceira faixa do primeiro álbum da banda, tem introduções quase que parecidas, mas seguem um ritmo diferente no decorrer dos segundos que as compõem. Ainda sim, o registro debut da norueguesa está longe de ser um plágio do que foi testado, em 2001, pelos The Strokes. Enquanto a banda parecia mais querer se jogar na cidade e ir em busca de diversão, Ida estava em busca de proteção, de algo que a impedisse de ser atingida pelas aflições e angustias que a atormentavam.
As dez canções presentes no álbum narram uma Ida Maria frágil, seja por ser desprezada amorosamente em "Forgive Me", pela apatia pela vida em "Drive Away My Heart" ou nos questionamentos a respeito do significado do amor em "Stella". Em todas essas canções há aflição, um espírito em constante estado de dúvida e que nunca encontra sossego. Os riffs de guitarra acelerados, a bateria contagiante em "Louie" e as melodias facilmente cantaroláveis podem nos enganar nas primeiras audições, mas as letras escancaram esses sentimentos tão conflitantes de Ida. "Oh My God", primeira faixa do álbum, já imerge o ouvinte na busca desesperada da cantora para a solução de seus problemas. Versos curtos e repetitivos, um refrão frenético e um arranjo simples conseguem descrever com êxito o estado de exaltação e de constante incômodo o qual a interprete se encontra.
Em determinados momentos, o álbum consegue transmitir um certo tom de humor e até alegria, graças aos arranjos tão voltados a pegada indie-rock/pop já testada pelo The Strokes, Fraz Ferdinand e entre outros. Porém, há canções as quais é audível a amargura e a sensação de fraqueza, "Keep Me Warm" é um dos exemplos mais concretos disso. A canção soa como um balsamo aos espíritos solitários e que esperam pela noite para mergulhar em suas tristezas. Além disso, narra o quanto os famosos "joguinhos amorosos" nos fazem tornar seres melancólicos e o quanto eles nos desgastam sentimentalmente.
Não posso deixar de mencionar um das minhas canções favoritas, "Drive Away My Heart", dona de um dos clips mais divertidos da cantora. Embora na mesma pegada alegrinha do indie-rock da década passada, há uma leve melancolia nos vocais da interprete, na letra e no arranjo também. O segundo single do álbum é sobre a entrega total àquele quem se ama, mas uma entrega exaustante, uma submissão excessiva ao amor que nos faz esquecer de nós mesmos. Oh, drive away my heart tonight/ Cause it is no loner mine (Oh, leve meu coração pra longe essa noite/ Porque já não me pertence), entoa Ida Maria no refrão.
A última faixa que encerra o álbum é diferente dependendo da versão. No álbum lançado nos EUA e na versão deluxo é "In The End" a responsável pelos minutos finais. Já na versão original, lançada na Noruega, a delicada "See Me Through" exerce a função. Em "In The End", com um arranjo singelo, contando com a ajuda de backvocals para adocicar a canção, Ida canta sobre a esperança de um final feliz e de uma vida longa. Todavia, "See Me Trough" é a minha preferida entra as duas. A delicadeza dos vocais, o arranjo preenchido pelo violão e pelo piano e, principalmente, por expor a fragilidade de forma tão sensível conquistaram o meu coração. "See Me Trough" encerra certeiramente tudo o que já foi apresentado pelo álbum. É o momento em que, depois de tanta aflição e dor, começamos a nos questionar sobre a existência de um ser superior e, com isso, na indagação do porquê de tanto sofrimento e do real motivo da vida. É um momento quase que ritual para muitas pessoas que, após viverem tantas decepções e tristezas, procuram um conforto em algum entidade divina.
"Fortres 'round My Heart", como o próprio título sugere, é o percurso de Ida Maria na construção de pilares que a sustentem, de um muro que a proteja ou de um amor que a reconforte. Mesmo que algumas canções soem energéticas, cheias de refrãos pegajosos e arranjos com uma leve pegada pop, não é sobre alegria e diversão que os versos delas falam. O álbum teve boas críticas na época de seu lançamento, recebendo do Metacritic a nota 74, porém, escute-o sem se preocupar com o que os críticos acharam. Aqui, Ida Maria transforma os riffs de guitarra em amplificadores para que suas dores consigam ser ouvidas e são essas dores que tornam o seu primeiro trabalho tão marcante para mim.
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